Durante uma gravidez, especialmente em casos de gêmeos, é natural que surjam dúvidas, medos e muitas perguntas. E quando o médico menciona algo como Síndrome da Transfusão Feto-Fetal (STFF), o susto pode ser grande. Mas entender o que essa condição significa, como ela acontece e quais são as formas de tratamento pode trazer mais segurança para as futuras mães e seus familiares.
O que é a transfusão feto-fetal?
A Síndrome da Transfusão Feto-Fetal é uma condição que pode acontecer em gestações de gêmeos que compartilham a mesma placenta – esse tipo de gestação é chamado de monocoriônica.
Nesses casos, os dois bebês dividem o mesmo “fornecimento” de sangue vindo da placenta. Isso, por si só, não é um problema. O que pode causar complicações é quando há uma troca desigual de sangue entre os fetos.
Em palavras simples: um dos bebês acaba doando mais sangue do que recebe, enquanto o outro recebe mais sangue do que precisa. Daí vem o nome: transfusão feto-fetal.
Por que a transfusão feto-fetal acontece?
Dentro da placenta existem vasos sanguíneos que ligam os dois fetos. Esses vasos são como pequenas “pontes” por onde o sangue pode passar de um bebê para o outro. Quando essas conexões funcionam de forma equilibrada, tudo corre bem. Mas, em alguns casos, elas podem fazer com que um bebê envie sangue demais para o outro.
Com isso:
- O feto doador fica com menos sangue, pode ter crescimento mais lento e menos líquido amniótico.
- O feto receptor recebe sangue demais, o que pode sobrecarregar o coração e causar excesso de líquido ao seu redor.
Quais são os riscos da transfusão feto-fetal para os bebês?
Sem tratamento, a transfusão feto-fetal pode ser bastante séria. Os riscos variam de acordo com a gravidade da condição e com o estágio em que ela é identificada.
Entre os problemas que podem surgir, estão:
- Crescimento desigual entre os bebês
- Anemia e desidratação no feto doador
- Sobrecarga cardíaca no feto receptor
- Óbito de um ou ambos os bebês
- Nascimento prematuro
- Sequelas neurológicas após o parto
Mas a boa notícia é que, com o diagnóstico precoce e o acompanhamento adequado, existem formas de tratar e controlar a condição, garantindo boas chances de desenvolvimento saudável para os dois bebês.
Como é feito o diagnóstico?
A ultrassonografia obstétrica é a principal ferramenta usada para identificar a síndrome. Em uma gestação de gêmeos monocoriônicos, o acompanhamento é mais frequente justamente por conta do risco de complicações como essa.
O médico vai observar:
- O volume de líquido amniótico de cada feto
- O enchimento da bexiga dos bebês
- A diferença de tamanho e peso entre os fetos
- A circulação sanguínea através do Doppler
- A presença ou ausência de sinais de sofrimento fetal
Para ajudar a entender o nível de gravidade, os médicos usam a classificação de Quintero, que divide a STFF em cinco estágios (de I a V). Essa classificação auxilia na decisão sobre a necessidade e urgência de tratamento.
Quais são as opções de tratamento?
O tratamento depende do estágio em que a síndrome é identificada. Em alguns casos, o acompanhamento cuidadoso pode ser suficiente. Em outros, é preciso intervir de forma mais direta. Veja as principais abordagens:
1. Acompanhamento com ultrassons frequentes
Nos estágios iniciais (especialmente o Estágio I), pode-se optar por apenas monitorar a gestação com exames semanais ou até mais frequentes. Alguns casos estabilizam sozinhos, sem necessidade de cirurgia.
2. Amniodrenagem
Quando há excesso de líquido amniótico ao redor do feto receptor, pode ser feito um procedimento chamado amniodrenagem. Ele consiste na retirada de parte desse líquido por meio de uma agulha fina, aliviando a pressão no útero e ajudando a melhorar o fluxo sanguíneo entre os bebês.
Essa técnica pode aliviar os sintomas e ajudar a manter a gravidez por mais tempo, mas não corrige a causa do problema.
3. Cirurgia a laser (fetoscopia)
Nos estágios mais avançados (geralmente a partir do Estágio II), o tratamento mais indicado é a fetoscopia com laser. Nesse procedimento, é inserida uma pequena câmera (fetoscópio) dentro do útero, permitindo ao médico visualizar os vasos sanguíneos da placenta.
Com um laser de alta precisão, são fechados os vasos que estão transferindo sangue de forma desequilibrada. Essa técnica interrompe a transfusão entre os fetos, ajudando a estabilizar a circulação de cada um.
A cirurgia é delicada, mas tem se mostrado altamente eficaz. Estudos mostram taxas de sobrevida que podem chegar a mais de 80% para ao menos um dos bebês e mais de 60% para ambos.
Como é o pós-tratamento e o restante da gestação?
Após o procedimento, a gestação continua sendo considerada de alto risco, e o acompanhamento deve ser ainda mais rigoroso. É comum que o parto ocorra antes das 37 semanas, o que exige cuidados com o prematuro após o nascimento.
Os exames continuam com foco no:
- Crescimento dos fetos
- Fluxo sanguíneo através do Doppler
- Movimentação fetal
- Volume de líquido amniótico
Também pode ser necessário acompanhamento neurológico após o nascimento, para descartar ou tratar possíveis sequelas, especialmente se a condição tiver evoluído por muito tempo sem intervenção.
E o prognóstico? Os bebês vão ficar bem?
O diagnóstico precoce e o tratamento adequado têm melhorado muito o desfecho das gestações com STFF. A medicina fetal avançou bastante nos últimos anos, e hoje é possível oferecer chances reais de sobrevida com boa qualidade de vida para os dois bebês.
Vale reforçar a importância de:
- Um pré-natal de qualidade
- Acompanhamento por especialistas em medicina fetal
- Atenção redobrada em gestações gemelares, especialmente se forem monocoriônicas
A informação e o acompanhamento fazem toda a diferença.
Quando suspeitar? Quando buscar ajuda?
Nem sempre a gestante percebe sintomas relacionados à transfusão feto-fetal, principalmente nas fases iniciais. Porém, é importante procurar avaliação médica se houver:
- Aumento muito rápido do volume abdominal
- Dor intensa ou desconforto na barriga
- Redução dos movimentos de um ou ambos os bebês
- Diagnóstico de gestação gemelar com placenta única
Em qualquer caso, converse com seu obstetra e peça encaminhamento para avaliação com medicina fetal, caso ainda não tenha sido feito.
A gestação de gêmeos traz suas particularidades e merece um olhar atento. A Síndrome da Transfusão Feto-Fetal é uma condição séria, mas que pode ser tratada com sucesso graças aos avanços da medicina.
Se você está grávida de gêmeos ou conhece alguém que esteja, informe-se, compartilhe e acompanhe de perto o desenvolvimento dos bebês. Saber o que está acontecendo e quais são as opções faz toda a diferença no caminho até o parto.
Técnica Responsável: Dra. Samantha Ramos Toledo Pessôa – CRM-SP: 104245
Ginecologista Obstetra e especialista em Medicina Fetal.
Título em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO.
Certificado de Atuação em Medicina Fetal pela FEBRASGO.
Imagem: Canva
Fontes:
- Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP)
https://www.hc.fm.usp.br - Johns Hopkins Medicine – Fetal Therapy
https://www.hopkinsmedicine.org - Mayo Clinic – Twin-to-Twin Transfusion Syndrome (TTTS)
https://www.mayoclinic.org - Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia – STFF: Diagnóstico e Tratamento
https://www.scielo.br/j/rbgo - Sociedade Brasileira de Medicina Fetal (SBMF)
https://www.sbmf.org.br - FIGO – International Federation of Gynecology and Obstetrics
https://www.figo.org