Entrevista com a Dra. Samantha Pessôa.
O período da gestação é marcado por transformações físicas e emocionais intensas, tanto para a mãe quanto para o bebê. Dentro do útero, o feto recebe nutrientes, hormônios e estímulos diversos, compondo aquilo que chamamos de ambiente intrauterino.
Esse “primeiro lar” do bebê é determinante para um desenvolvimento saudável, influenciando não somente o momento do nascimento, mas também a saúde ao longo de toda a vida. A seguir, a Dra. Samantha Pessôa explica como cada escolha materna – desde os cuidados com a alimentação até a forma de lidar com o estresse – pode afetar esse ambiente e, consequentemente, o futuro da criança.
O que significa “ambiente intrauterino” e por que ele é tão discutido quando falamos da saúde do bebê?
Dra. Samantha Pessôa: O ambiente intrauterino engloba todas as condições às quais o feto está sujeito durante a gestação: aspectos hormonais, nutricionais, emocionais e até mesmo fatores externos que a mãe vivencia.
É nesse contexto que o bebê recebe nutrientes, oxigênio e estímulos fundamentais para a formação de órgãos e sistemas. Se o ambiente estiver equilibrado, as chances de um desenvolvimento sadio aumentam significativamente. Já se houver desequilíbrios, como carências nutricionais, excesso de estresse ou exposição a substâncias tóxicas, podem surgir efeitos negativos não só no nascimento, mas também em etapas futuras da vida.
Quais são os principais fatores que podem influenciar esse ambiente e o desenvolvimento do bebê?
Dra. Samantha Pessôa: Divido essas influências em cinco pontos principais:
- Nutrição Materna: O que a mãe come fornece a matéria-prima para a formação dos tecidos fetais. A falta de nutrientes como ferro, ácido fólico e vitaminas pode prejudicar o crescimento do bebê. Por outro lado, o consumo excessivo de açúcares e gorduras ruins pode desequilibrar o metabolismo fetal.
- Saúde Emocional: O estresse e a ansiedade liberam hormônios (como o cortisol) que atravessam a barreira placentária. Em excesso, podem impactar o desenvolvimento neurológico do bebê e, a longo prazo, influenciar aspectos emocionais da criança.
- Exposição a Substâncias Tóxicas: Álcool, cigarros, drogas ilícitas e até a poluição ambiental podem afetar o crescimento intrauterino, elevando o risco de malformações e de doenças ao longo da vida. Evitar ou reduzir ao máximo a exposição a essas substâncias é essencial.
- Doenças Crônicas da Mãe: Hipertensão, diabetes e doenças autoimunes podem desequilibrar o ambiente intrauterino se não forem bem controladas. O pré-natal regular e o ajuste de medicações são de extrema importância para a segurança do bebê e da mãe.
- Fatores Genéticos e Epigenéticos: O modo como os genes são “ligados” ou “desligados” pode ser modulado pelas condições intrauterinas. Alimentação, estresse e outras variáveis podem induzir mudanças epigenéticas, definindo certas características de saúde no futuro.
É verdade que um ambiente intrauterino desfavorável pode aumentar o risco de doenças na vida adulta?
Dra. Samantha Pessôa: Sim. Existe um volume crescente de estudos correlacionando problemas na gestação com maior propensão a doenças crônicas. Um bom exemplo é o Estudo de Barker, que associou o baixo peso ao nascer a riscos mais altos de diabetes tipo 2, hipertensão e doenças cardíacas na vida adulta.
É importante destacar que isso não é uma condenação inevitável – muitos outros fatores (como estilo de vida e herança genética) também entram em jogo. Porém, a ciência nos mostra que a forma como o bebê se desenvolve dentro do útero pode, sim, deixar marcas que acompanham o indivíduo por toda a vida.
O que a gestante pode fazer, na prática, para garantir um ambiente intrauterino mais saudável?
Dra. Samantha Pessôa: Há vários hábitos que contribuem para um bom desenvolvimento fetal:
- Acompanhar o pré-natal: Marcar as consultas, realizar os exames de ultrassom e checar a saúde materna periodicamente. Identificar e tratar precocemente qualquer alteração faz toda a diferença.
- Adotar uma alimentação equilibrada: Preferir frutas, hortaliças, grãos integrais, proteínas magras e leguminosas. Incluir alimentos ricos em ferro (carnes, feijões, vegetais escuros) e em ácido fólico (espinafre, brócolis, feijão) é fundamental.
- Praticar exercícios físicos moderados: Atividades como caminhada, ioga ou hidroginástica, se liberadas pelo médico, melhoram a circulação e diminuem o estresse, promovendo bem-estar à mãe e, consequentemente, ao bebê.
- Cuidar da saúde mental: Buscar apoio psicológico, conversar sobre preocupações e implementar técnicas de relaxamento ajudam a controlar a ansiedade.
- Evitar substâncias nocivas: Cortar álcool, cigarro e outras drogas é imprescindível para prevenir prejuízos ao ambiente intrauterino.
- Controlar doenças pré-existentes: Caso a mãe tenha diabetes, hipertensão ou outro distúrbio, seguir rigorosamente as orientações médicas e fazer exames adicionais quando necessário garante maior proteção ao bebê.
Como o estresse e a ansiedade materna podem afetar diretamente o desenvolvimento do bebê?
Dra. Samantha Pessôa: Em situações de estresse crônico, a mãe libera constantemente hormônios relacionados à resposta de “luta ou fuga”, como o cortisol. Esses hormônios podem alcançar o bebê através da placenta, afetando o ritmo de crescimento e a formação de estruturas cerebrais importantes.
Se a grávida se sente constantemente ansiosa, o organismo do bebê pode se “programar” para reagir de maneira mais intensa ao estresse na vida pós-natal. Por isso, é fundamental buscar estratégias que reduzam a ansiedade, seja por meio de terapia, atividades físicas ou práticas de relaxamento, para tentar estabelecer um ambiente intrauterino mais sereno.
Qual a importância de exames como o ultrassom obstétrico para avaliar as condições do ambiente intrauterino?
Dra. Samantha Pessôa: O ultrassom permite que se observe não apenas a formação dos órgãos do bebê, mas também o fluxo sanguíneo que chega a ele. Exames específicos, como o ultrassom morfológico, avaliam detalhadamente a anatomia fetal. Já o Doppler consegue medir a circulação sanguínea na placenta e no cordão umbilical, identificando precocemente quaisquer alterações.
Dessa maneira, se for detectado atraso de crescimento, por exemplo, é possível tomar medidas imediatas para tentar corrigir o problema, como ajustar a dieta materna ou, em casos mais graves, avaliar intervenções médicas mais complexas.
Para gestantes com doenças crônicas, como diabetes ou hipertensão, há cuidados adicionais para manter o ambiente intrauterino equilibrado?
Dra. Samantha Pessôa: Sem dúvida. Quando a mãe é diabética, é fundamental monitorar os níveis de glicose e, se necessário, ajustar a insulina ou outras medicações. No caso de hipertensão, o controle da pressão arterial deve ser rigoroso para prevenir complicações como pré-eclâmpsia.
Geralmente, recomenda-se um maior número de consultas e exames – incluindo ultrassons seriados com Doppler – para acompanhar o crescimento do bebê. Dessa forma, mesmo com uma condição crônica, podemos minimizar os riscos e promover um ambiente intrauterino mais estável.
Existe uma ligação entre epigenética e o ambiente intrauterino que possa alterar a saúde do indivíduo ao longo da vida?
Dra. Samantha Pessôa: Sim, a epigenética estuda mudanças na expressão dos genes que não alteram a sequência de DNA, mas podem ter efeitos duradouros.
Fatores ambientais (como alimentação, exposição a estresse e substâncias tóxicas) podem acionar ou inibir determinados genes no feto. Isso pode determinar, por exemplo, a forma como o metabolismo vai responder a açúcares ou como o sistema imunológico reagirá a infecções.
Logo, o equilíbrio no ambiente intrauterino não somente previne complicações na gestação, mas também ajuda a estabelecer bases mais fortes para a vida adulta do bebê.
Qual a relevância do vínculo afetivo da mãe com o bebê e as práticas de relaxamento durante a gestação?
Dra. Samantha Pessôa: Manter uma boa conexão com o bebê, seja por conversas, seja por escutar músicas suaves, pode contribuir para a tranquilidade da mãe – o que, por si só, ameniza a produção de hormônios do estresse.
Conforme o feto se desenvolve, a audição dele fica mais aguçada, e já há evidências de que reconhecer a voz e sentir as vibrações externas podem exercer algum efeito calmante.
Embora ainda não possamos quantificar com precisão o impacto, esses momentos de interação e relaxamento certamente trazem benefícios para a saúde emocional da mãe, resultando em um ambiente intrauterino mais harmonioso.
Há uma mensagem final que resuma a importância de cuidar do ambiente intrauterino?
Dra. Samantha Pessôa: O mais importante é saber que cada escolha materna tem um peso no ambiente intrauterino. Fazer um bom pré-natal, alimentar-se bem, cuidar da mente e do corpo e evitar substâncias nocivas são medidas que podem trazer benefícios imensos, não só durante a gestação, mas na saúde da criança por toda a vida. Costumo dizer que o cuidado começa antes mesmo do nascimento; ao construir um “primeiro lar” seguro e equilibrado, a mãe abre caminho para um futuro mais promissor e saudável ao seu filho.

Dra. Samantha Ramos Toledo Pessôa
Ginecologista Obstétrica e Medicina Fetal – Título em GO pela FEBRASGO, Certificado de Atuação em Medicina Fetal pela FEBRASGO – CRM-SP: 104245